Por que não?

Parabéns àqueles que se dão ao trabalho de abaixar para ver o que está escrito num papel do chão. Parabéns àqueles que encontram mensagens em garrafas. Parabens àqueles que escutam palavras jogadas ao vento. Esta é a minha homenagem.

Wednesday, June 16, 2010

Um conto de Mário Negreiros

Sei que meu pai é um leitor assíduo deste blog, por isso, este texto é dedicado a ele.

"Havia, em um lugar distante, em um tempo remoto, uma aldeia a beira de um rio. Nesta aldeia havia um rapaz que gostava de passear de barco - uma pequena canoa - pelo rio. Um dia, em que saíra para seu passeio mais cedo do que o normal e prolongara-se ainda mais, encontrou um braço de rio, muito distante de sua aldeia. Já estava com fome, mas queria explorar aquele caminho desconhecido, por isso continuou.

"Depois de algum tempo o menino descobriu, com muita alegria, uma aldeia com casinhas muito parecidas com as da sua, e um pequeno píer em que amarrou a canoa e partiu para a exploração em terra. A aldeia estava vazia. As portas e janelas estavam fechadas e não havia pessoas nas ruas. Gritou

- Olá...?

"Mas ninguém respondeu. O rapaz tentou algumas outras vezes, mas desistiu. Como, entretanto, começava a escurecer o rapaz decidiu pernoitar. Mesmo estando com muita fome, seria mais seguro do que tentar navegar no escuro pelo rio.

"Qual não foi sua surpresa quando, aos primeiros pios de coruja, as janelas das casas começaram a abrir de par em par, revelando uma população de homens e mulheres felizes (embora muito pálidos), e até bem parecidos com os homens e mulheres da sua aldeia. Quando alguém percebeu sua presença, perguntou de onde o rapaz vinha, e este disse:

- Sou da aldeia que fica rio acima, e nós dormimos de noite e fazemos nossas coisas de dia.

"Isso surpreendeu muito os homens e mulheres daquele lugar, que, por sua vez, responderam:

- Ora, que curioso! Nós dormimos de dia e fazemos nossas coisas de noite.

"O rapaz fez muitas amizades naquela aldeia, que o recebeu contente e dividiu um pouco da sua comida com o rapaz, para que, na manhã seguinte, ele voltasse bem alimentado para sua aldeia, onde com certeza dormiria o dia todo, de tão cansado estava das suas explorações.

"Na sua aldeia natal, ficaram todos muito preocupados com o seu desaparecimento, e felizes com seu retorno. Ele quis mostrar a seus amigos a aldeia notívaga. Mas infelizmente, isso nunca aconteceu, pois quando uns dormiam, os outros estavam acordados, e vice versa. Desta forma, o rapaz passou a ter duas vidas. Sempre que queria, ia viver de noite por um dia ou dois. Ele ficou sendo o único a conhecer os dois mundos."

Retirado das memórias de infância.