Por que não?

Parabéns àqueles que se dão ao trabalho de abaixar para ver o que está escrito num papel do chão. Parabéns àqueles que encontram mensagens em garrafas. Parabens àqueles que escutam palavras jogadas ao vento. Esta é a minha homenagem.

Tuesday, May 25, 2010

Carta a M. Lannes

Hoje, pegando o metrô durante a manhã, fiquei deprimido e animado ao mesmo tempo. Uma gorducha simpática (aliás, provavel motivo pelo qual agi diferentemente que o normal) estava distribuindo gratuitamente o "Destak". As manchetes variavam desde as ocupações nas favelas até o último episódio de Lost. Fiquei até contente de ver uma menção ao show de Hermeto Pascoal em Diamantina, também presente no conteúdo do diário. Mas principalmente me deprimi com a escasses de valor literário a que estavam submetidas as pessoas que tem o jornal como principal fonte de leitura. Me animei imediatamente com esta depressão, por outro lado, ao pensar no nosso projeto em andamento.



Para concluir a história, chegando em casa pude ler uma matéria no Globo sobre a criação da célula artificial, que foi tão discretamente divulgado (do meu ponto de vista, comparando a notícias como a morte do Michael Jackson ou o corte de cabelo da Briney Spears, discreto é até pouco). Muito por acaso, dias atrás eu tinha, através das TEDtalks, assistido à própria conferência dada pelo Craig Venter em que foi anunciada esta conquista. Embasado pelas minhas próprias leituras recentes, tive muito cuidado em não decretar nenhum juízo de valor a respeito do fato, mas fui aos poucos associando não o fato em si, apenas a simples possibilidade de ele ser a pura verdade, com o que sabia do ponto de vista filosófico. Cheguei à seguinte conclusão: A célula artificial é o homem dando início, se não à colonização humana do universo, à colonização vital do universo. Uma vida projetada para habitar qualquer planeta é precisamente o que melhor define a transendência da própria vida na terra. Isso foi uma divagação tremendamente distante que sequer caberia expor em um jornal diário, que se limita a informações. As informações claras não permitem divagações como esta, e meu próprio e-mail começa a tomar rumos que são completamente contrários à natureza da informação. Se quero dizer o que aconteceu comigo esta manhã, porém, tenho que ser mais que informativo. O que existe de comum em todos os jornais, então, é precisamente o fato de pretenderem ser informações puras, e se não são todos assim, posso continuar na minha tese e afirmar que os que são, também são deprimentes.



Voltando à origem da vida anunciada no Globo, vale dizer que a matéria ocupava toda uma folha do caderno de ciências, com um desenho colorido e artístico que ocupava a maior parte do espaço disponível (o que é, aliás, estranho, já que o desenho não tinha nada de informatvo). Lá estava exposta, com muito mais relevância do que a própria descoberta (por exemplo, não explicaram as marcas-d'água das células nem abordaram nenhum assunto relativo ao longo processo de quinze anos, que teve muitas reviravoltas e obstáculos técnicos mencionáveis) as decisões tomadas imediatamente pelo presidente Obama, os riscos deta tecnologia para a segurança, caso caia em mãos de terroristas. Aliás, como eles conseguiram meter os terroristas no meio desta história?!?!? A parada demorou 15 anos para ser desenvolvida e agora acham que é só pegar a receita para assar o bolo? Enfim, em relação à filosofia básicamente citaram uns e outros, dizendo que isso prova que deus não existe e que não tem nada a ver com a vida, ou, o contrário, que sequer era verdade o fato de terem criado uma célula artificial, repentinamente mudando o conceito de princípio da vida para a célula e não para o DNA!



No final, a sensação era simplesmente de que nada tinha mudado no mundo, e isso é que me pareceu deprimente. Então, criaram vida artificial. E daí? E daí que os terroristas continuam soltos, as favelas ocupadas, o último episódio de Lost sendo pirateado, etc... Parece que a continuidade que deveria ser a verdadeira medida da existência se fixou em um formato diário, e que nenhuma mudança será realmente uma mudaça. Parece que, nesta inversão, o movimento contínuo que se petrificou, gerou nas pessoas um desejo terrível para uma mudança definitiva: Todos querem que tudo pare de mudar.



Sabe, pensando nisso, me dou conta, de que é uma ilusão que alimenta-se a si própria. Na verdade, estou reconhecendo nesta linha de raciocínio, o nosso já bem conhecido espetáculo. No fundo não passa disto. Essa ilusão que alimenta-se a si própria, não pode, de fato, ser movimentada por uma conspiração, a não ser que se entenda por conspiração, o desejo secreto de morte que toda a humanidade anda aspirando. Essa ilusão de que falo, para que fique bem claro, é a ilusão causada pela repetição do formato jornalístico: É a ilusão de um estático onde se manifesta o sempre móvel. É como um rolo compressor, que alisa o caminho pelo qual passamos. Sabemos, por que vêmos a nossa frente, o relevo do terreno, mas onde estamos, é tudo plano graças ao nosso próprio acordo interno de que o plano é melhor do que o escarpado. Pelo menos para nos movermos nele. É essa planificação geral da informação que cria a ilusão de que não há nada de novo no fato de termos criado vida em laboratório, ou pelo menos que há tanto de novo nisso quanto no penteado da Britney Spears. E esta ilusão, o plano em que andamos, é criada pelo próprio rolo compressor das nossas consiências conjuntas. O senso comum é o conhecimento que pesa sobre todas as outras formas de conhecimento, tornando-as indistinguíveis. O senso comum que une a sociedade é, como prolongamento amplificado de sua ação, o que massifica-a. O senso comum é a morte que atrai a sociedade. O espetáculo é a realização desta morte. É a inversão do verdadeiramente novo pelo sempre renovado da mesma forma. É a virtualidade da estagnação graças à constância do movimento.



Isso me anima. Nosso projeto ultrapassa e confronta isso. Acho que é bem diferente do que se lê por aí, e tem conteúdo que será válido para sempre. Parece uma frase boba, mas é apenas uma especificação do que me anima. Ser diferente, depois do discurso acima, espero eu, tem uma profundidade dupla, chegando às obscuridades do quase incompreensível se comparado com o que se lê por aí. Quanto ao fato de ter conteúdo que será válido para sempre, por mais que pareça ir contra a idéia de mudança contínua, também pode ser reinterpretado de acordo com o texto acima, bastando que para isso nós pensemos no plano e na escarpa: qual caminho traz mais benefícios a humanidade? O do senso comum ou o da filosofia e da arte? Um invalida tudo ao equalizar os conhecimentos. O outro permite as mais variadas perspectivas, altas e baixas, sempre efetivamente diferentes e verdadeiramente válidas.

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