Por que não?

Parabéns àqueles que se dão ao trabalho de abaixar para ver o que está escrito num papel do chão. Parabéns àqueles que encontram mensagens em garrafas. Parabens àqueles que escutam palavras jogadas ao vento. Esta é a minha homenagem.

Thursday, May 06, 2010

Carta a M. Lannes

resposta a http://ponteiroapontado.blogspot.com/2010/04/pequena-carta-f-negreiros.html

Caríssimo,

Acho que não há dúvidas sobre o que representa o esporte nos dias de hoje, de acordo com a argumentação básica, por assim dizer, da Sociedade do Espetáculo: a inversão pela imagem do que a prática verdadeira do esporte representa. Pura e simplesmente, a massa hipnotizada prefere assistir a todos os campeonatos de que nunca fará parte, nem sequer terá algum dia capacidade de extensão, a ir praticar ela mesma esses esportes. Caso me proponham que uma torcida organizada representa a extensão de uma individualidade ao coletivo, a amplificação de uma característica comum através da união, eu contra-argumento precisamente com o pannis et circem: a pseudo-extensão de uma individualidade acaba se tornando a supressão de toda individualidade. Não me faltam argumentos contra a exploração espetacular do esporte nos dias de hoje, e não vou entrar neste mérito. Não vale a pena comentar a negativa da pseudo-união representada pela torcida, que é a divisão clara da sociedade entre torcidas prontas para se digladiar, até porque, isto é muito mais uma conseqüência dos esforços alienadores do espetáculo do que sua verdadeira intenção. Da mesma forma, não vale a pena questionar aqui a máfia de influência que toda a movimentação esportiva de alta competição gera - principalmente no meio futebolístico, que é, ao que parece, o esporte escolhido para a grande sociedade mundial.

Entretanto, a importância que o esporte ocupa e sempre ocupou na sociedade apenas se comprova quando nos damos conta de quão poderosa máquina de controle ela pode se tornar. Vejo uma relação muito estreita entre o grande artista e o grande atleta. Da mesma forma, poderíamos estabelecer um paralelo entre o time e a banda. De ambas as analogias tiramos grande proveito. Primeiro identificamos o que deve ser o objetivo final de um atleta ao compará-lo com o artista: não a superação dos outros, mas a superação de si mesmo. A prática levada à perfeição. Da mesma forma, vemos na banda algo mais do que um conjunto de bons músicos. A afinação (lato senso, por favor) entre eles é o que realmente vai trazer algo de interessante para a musica que toquem juntos.

Considerando, por sua vez, a filosofia do mito, diria que a jornada de um caçador tem muito de esportivo. A guerra, grande produtora de heróis, também. Os atributos físicos sempre foram valorizados por esses motivos: caça e guerra. Os esportes, por mais sofisticados que se encontrem no nosso tempo, sempre representam uma simulação de combate ou de caça. Seria, portanto, através dos esportes que o homem civilizado se manteria em contato com seus primórdios animais. Afinal, não é a toa que a arte e o esporte estejam ligados. Os dois representam conexões com esse primórdio.

Gostaria de mudar de assunto agora, mesmo que esta pergunta esteja ainda longe de ser respondida, para primeiro me desculpar pelo tempo de silêncio literário, e em seguida fazer alguns comentários a acontecimentos recentes na minha vida sobre os quais tenho certeza de que você terá interesse.

Finalmente tenho tempo. Cheguei esta semana a Humanhá, onde a casa antiga de paredes grossas estava, finalmente, vazia. O proprietário livrou-se depois de vários dias de atraso, dos móveis que impediam a minha instalação no local de retiro. Agora, olhando pela janela e apreciando a vista para dentro da floresta, a 'casa do mago' ao longe, e o trem que passa de quando em quando, inspiro com calma, como se o próprio Tempo entrasse pelos meus pulmões e se diluísse como açúcar em copo de água.

Espero poder escrever com mais assiduidade nos próximos meses.

Como pretendo ter mais tempo para escrever nos dias que se seguem, peço paciência. Pode parecer contraditório, mas acho que entenderás bem o sentido desta contradição - de pedir paciência quando me encontro em condições de escrever mais. Em breve terminarei a minha próxima carta, não como uma continuação desta, mas como uma resposta à anterior.

Até breve,
F. Negreiros

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