Por que não?

Parabéns àqueles que se dão ao trabalho de abaixar para ver o que está escrito num papel do chão. Parabéns àqueles que encontram mensagens em garrafas. Parabens àqueles que escutam palavras jogadas ao vento. Esta é a minha homenagem.

Friday, February 26, 2010

Carta a M. Lannes de ponteiroapontado.blogspot.com

resposta a http://ponteiroapontado.blogspot.com/2010/01/carta-f-negreiros.html


A vantagem de conversar por escrito é que podemos mudar de assunto à vontade, e ao mesmo tempo, esse assunto encerrado de forma violenta, permanece aberto para ser continuado paralelamente. Talvez o mais difícil na compreensão de certos textos seja a percepção de mudança de um assunto para o outro, quando são assuntos muito similares. As vezes, achar que se está tratando da irrealidade real do mundo, quando já se está falando de como poderemos nos encontrar em breve, leva a terríveis mal entendidos.

Claro que isso foi uma piada, mas foi para dizer que vou responder à sua carta de acordo com os tópicos, na ordem em que foram apresentados, e espero não negligenciar, por incapacidade de percebe-la, nenhuma questão.

Encontro nas suas palavras, luzes de Henry Miller que projetam suas formas na minha leitura atual, Guy Debore. Ele descreve a sociedade atual como a do espetáculo, em que a imagem substitui a realidade. Em seu livro, usa argumentos muito mais apresentáveis, digamos assim, do que os de Henry Miller. Faz um trabalho de referencia histórica incrível, e em seu discurso, também se aproxima dos atuais documentários revolucionários (que parecem ser a mais moderna ferramenta de contestação, ocupando o lugar dos jornais, panfletos e livros proibidos das tirânicas décadas de totalitarismo).

Mudando de assunto...

A ferramenta de busca é que seria o escritor no caso de conseguirmos criar a Biblioteca de Babel virtual. No meu sonho, a Biblioteca estaria construída em secções hexagonais e com grandes escadarias pelas quais infinitos níveis poderiam ser acedidos, exatamente como descreveu Borges, e estaria construída em uma plataforma gráfica 3D, de tal forma que a cada nova secção hexagonal que o bibliotecário virtual entrasse (isto é, eu ou você), os livros presentes neste local seriam gerados. Basicamente, a vantagem de um ambiente virtual, é que ele não precisa existir todo ao mesmo tempo, mesmo virtualmente. Bastam alguns segundos de loading para que um novo hexágono se forme. Paralelamente a isso, podemos mandar vir à nós, ou mandar preencher o hexágono, todos os livros que contenham uma certa combinação de caracteres. Isso é uma ferramenta cujas possibilidades eu sequer consigo imaginar. O grande jogo seria brincar com a configuração do motor de busca. Poderíamos dar um nome para ele, e se, como no meu sonho, a biblioteca for erguida tridimencionalmente em um ambiente virtual, até mesmo uma constituição física ele pode ter. Uma aparência. Seria muito interessante!

Mas não vou tão longe. A princípio, algo no modelo da página do Google, com um campo de buscas, um botão de “procurar” outro de “estou com sorte” embaixo, que fosse capaz de chafurdar nos zeros e uns para nos trazer todas as combinações alfabéticas possíveis em uma certa ordem, seria o máximo.

Falar sobre a subtileza é uma metalinguagem inversa: Dessubtiliza a palavra.

Senhor dos anéis não é auto biográfico!!!!!!!!!!! Nem é metáfora para a segunda guerra mundial!!!!!!!!!!! E eu sei que você disse isso só pra me irritar!!!!!!!!!!!
Você sabe muito bem: só pelo fato de o Tolkien ter passado um tempo nas trincheiras, e, durante uma enfermidade, começado a escrever sua grande obra, e que mesmo que a inspiração para descrever uma guerra tenha vindo do ambiente político em que a Europa e o mundo se encontravam, e do próprio ambiente físico em que se encontrava, não se pode afirmar nada. Ao ler e descobrir as escalas maiores da mitologia tolkeniana, além das origens universitárias deste mundo (ele começou a desenvolver os mitos e lendas que depois dariam forma a Arda e a Terra Média, quando cursava Filologia, para dar um pano de fundo às línguas que criava. Como filólogo, ele descobriu que uma língua não pode existir sem um povo que a fale - e é por isso que o esperanto não funciona, por sinal), fica nítido que não há nada de autobiográfico ou metafórico em relação a coisas ou um estado de coisas presente no mundo real. HUMPFFF!!!

Interessante que não havia tanto para falar sobre o numero de páginas, e ainda assim foi um dos assuntos que mais rendeu em sua carta. Mas rendeu para bem, e achei ótimo o comentário de Sabino.

Não vou comentar tudo da sua carta, por que algumas das coisas que você me disse são respostas em si, mesmo que não houvesse pergunta a elas.

De resto, vale dizer que tenho viajado muito. Não exatamente por este motivo, mas de certa forma estando relacionado, não tenho tido muito tempo para sentar e pensar bem a respeito do que escrever, senão para te responder. Não quero comentar Henry Miller nem Saramago aqui. Estou lendo outras coisas agora (que já citei, mas não cheguei a comentar como deveria) e não se comenta esses autores assim, como quem fala de um filmeco interessantezinho. Poderia até faze-lo. Não chego a considerar uma tarefa impossível ou a qual eu invariavelmente rejeitaria, mas não hoje, não agora, e talvez, nunca.

Vou perguntar algumas coisas, ao invés...

Até que ponto vai o seu desejo de não querer nada, manifestado repetidamente em contos e poemas? A busca do seu Eu Lírico pela ausência de sentidos, seria, paradoxalmente, uma busca pela essência da sensação? Ou a sensação das coisas está no mesmo nível de repulsa quanto a percepção do sentido delas?

A responsabilidade individual sobre a situação geral das coisas pesa minimamente sobre as decisões dos seus atos? Quer dizer, é óbvio que o mercado financeiro é um dos principais causadores da discrepância financeira que existe no mundo, pois possibilita que o dinheiro se multiplique sem que haja uma produção relativa a ele. O seu raciocínio já o tinha levado a isso, e lendo Miller, o impulso de largar tudo em prol da coerência e liberdade individual assalta qualquer mente. Mesmo assim, você gosta do que faz, e não parece se preocupar de verdade com o fato de estar contribuindo ativamente para a sofisticação deste sistema. Eu mesmo detesto estar envolvido com um órgão publico, que é outra das facetas do espetáculo, uma vez que é completamente inútil (não tanto pelo que se presta a fazer, mas pela ineficiência da máquina governamental em geral), mas o seu trabalho é, segundo a sua descrição, tornar mais rápidas as transações, ou seja, você afia os dentes da besta, enquanto que eu apenas sigo na corrente sanguínea o mais inerte possível. Além disso, você parece trabalhar muito mais do que gostaria, enquanto que eu me esforço por me esforçar o mínimo possível e consigo. Isso traz suas compensações, até mesmo do ponto de vista da consciência moral. E quanto a você? Como cabe na sua cabeça a contradição entre saber estar contribuindo para algo negativo e usufruir disso? É algo como a minha própria amoralização do ato de comprar certas coisas (que “contribuem para a violência”)?

Na primeira tarja preta, um Johandson fala que pelo raciocínio que leva a deduzir que a compra destes produtos é imoral por dar dinheiro para os filhos da puta, também pode ser usado para não pagar impostos, já que o dinheiro contribui para coisas que nós não queremos (ele cita a má distribuição dos investimentos que causa segregação que causa a violência, isso sem falar no dinheiro que vai diretamente para a violência, na forma de armas de combate ao tráfico).

Mas isso foi só um parênteses. A minha dúvida é mais em relação à sua ideologia quanto ao estado do Mercado Mundial e a dominação proveniente dele.

Quero muito saber quais são os outros assuntos que você não mencionou. Espero que não tenha esquecido deles!

Abraços!
Fernando Negreiros