Por que não?

Parabéns àqueles que se dão ao trabalho de abaixar para ver o que está escrito num papel do chão. Parabéns àqueles que encontram mensagens em garrafas. Parabens àqueles que escutam palavras jogadas ao vento. Esta é a minha homenagem.

Wednesday, November 05, 2008

Terceiro

Allor... Penso que dois ou tres meses depois da minha ultima postagem, esta na hora de dar mais um alo para meus leitores... sejam eles quem forem.

Poderia simplesmente ver quando foi a ultima postagem e calcular exatamente quantos messes se passaram, mas acho que isso nao importa em nada. Se fizer alguma diferença, que va o leitor fazer o calculo. A minha displicencia para com quem se da ao trabalho de vir aqui ler meus relatos beira o inaceitavel, mas talvez seja so assim que conseguimos leitores fieis: expantando com profunda displicencia aqueles que nao concordam comigo nesses pequenos detalhes e insistem em uma ortografia perfeita, uma sintaxe coerente rigor na definicao da passagem do tempo. Assim restam apenas os que realmente se interessam pela historia em si.

Apesar de a historia em si nao ter nada de especial.

Acho que no fundo, minha displicencia eh mesmo apenas isso. Displicencia. Mas de qualquer forma, acaba por ser uma maneira de conseguier leitores. Se nao fosse assim, simplesmente nao seria. Enfim, escrevo para que se leia, como a maior parte das coisas que se escrevem no mundo (sera?), mas sem nenhuma vontade de me fazer agradavel ao leitor em detrimento da unica forma que consigo por-me a escrever: displicentemente.

Sendo assim, retomo a narrativa de onde parei. Rumo a Madrid.

Fiquei dois dias na casa de uma amiga, Francis, uma professora de ingles para adultos, que trabalhava para uma multinacional sediada na capital espanhola. Mas antes convem dizer como a conheci, e como fui de Dax à sua casa, uma epopeia que junto com a oda de Madrid a Lisboa, se compara a escalada do Ben More. Foi no festival de musica latina de Dax que a encontrei pela primeira vez... e pela segunda, e pela terceira. E la que ela me disse onde morava e me deu seu contacto, sem esperar, entretanto que eu lhe fosse dizer qualquer coisa. Quando, dois ou tres dias depois, liguei-lhe para saber se podia ficar uns dias em sua casa ela pareceu surpresa. Eu, como disse antes, tinha mudado repentina e diametralmente de destino, que antes era Les Pommes ao centro de frança, donde se compreende a surpresa.

Fui de carona com relativa facilidade ate a cidade fronteiriça Irun, que fica ja na espanha. Eu disse que ir de carona de frança a portugal eh uma epopeia e nao menti. Demorei 12 horas para encontrar um caminhonista para me levar a Madrid, ou seja, para percorrer uma distancia que em frança eu percorri com facilidade (em ocasioies separadas) esperando apenas 20 minutos em cada ponto. No caminho ainda tive a chance de comer com caminhoneiros a comida que eu trazia comigo, sobras do que eu comprara para comer em Dax: Carne moida e macarrao. Todos muito simpaticos. Endurecidos, pelo trabalho talvez. Descobri que os caminhoneiros passam uma media de 6 dias por mes em casa. Sempre ouvira falar da vida de caminhoneiro, mas 6 dias por mes em casa eh um absurdo que nem cabe na minha cabeça. Eh uma vida de estrada, de estaçoes de serviço, de rotas rotas e mais rotas. Os monges do tibete nao meditam tanto quanto os caminhoneiros.

Enfim, chegando a Madrid, e passados os dois dias em casa de Francis, eu tive que arranjar um outro lugar para ficar, posto que seus pais chegavam para passar a semana. Para que nao se tenha a ideia errada, Francis eh uma mulher ja nos seus 40 anos. ... Ia ddizer agora que ela nao tem os mesmos problemas que os jovens tem com os pais, e que ja era crescida e madura, mas na verdade, pensando melhor, acho que ela tinha sim exatamente os mesmos problemas que um adolescente qualquer. Curioso. Digo isso pela maneira como ela falava de seu pai... seu pai principalmente, um fisico professor de universidade que acha que as mulheres sao menos inteligentes que os homens. Mas afinal de contas, quem nao tem problemas com os pais.

O tempo que eu passei em Madrid, com exessao da Noche en Blanco, um evento cultural que transforma a cidade em tudo o que eu sempre quis que ela fosse, foi dedicado a tocar acordeon para conseguir o que comer. A quantidade de musicos de rua em madrid eh insuperavel. Por pouco nao era preciso cair no braço com os romenos para saber quem ia tocar na esplanada da Plaza Maior.

De resto, a arquitetura monumental, em contraste com as soberbas insulae que se estendem por muitos e muitos kilometros do centro de Madrid exercem um efeito de esmagamento e estupefaçao ao mesmo tempo. Morar em madrid deve ser muito interessante, mas o visitante, sem ter aonde ficar, obrigado a trabalhar o dia inteiro para conseguir sobrepujar a concorrencia (no meu caso por que isso era possivel... conheci pessoas que nao tinham nenhuma arte de rua para vender e estavam, de resto, na mesma situacao que eu) essa magnificencia apenas acentua a dureza da vida. Na minha segunda visita a Madrid fiquei instalado em uma pensao e acho que minha visao mudou bastante. Eh um lugar bonito de verdade.

Conheci duas polacas que iam para Lisboa e achei que era o sinal para que eu fosse tambem.

Mas ia me esquecendo, a noche en blanco eh uma noite em que todos os museus estao abertos; artistas fazem experiencias urbanas; ha concertos por toda a parte e instalaçoes inusitadas te surpreendem a cada esquina... Alem, eh claro, da festa, da multidao na rua, na rua mesmo, nao na calçada, das chicas guapas... enfim, tudo que uma noite em branco pode oferencer. Eh um evento gigante, e apenas uma pequena fracao dele pode ser percebivel por uma unica pessoa. Sao muitas coisas. Eu nao gosto de guias e mesmo aos mapas eu tenho as minhas restriçoes, entao apenas ronava a cidade perdido com meu acordeon nas costas e as minhas coisas guardadas em um Cafè-squat da qual falarei um pouco mais tarde, embora ja devesse ter falado, pela ordem cronologica das coisas.

Eu vi um concerto de jazz, uma projeçao de beijos em um predio e um sol artificial. Dormi no Parque del Retiro quando o sol nasceu.

Em madrid havia um hostel na rua Atocha com ascesso gratuito a internet, que eu utilizava com alguma frequencia. Em uma dessas eu encontrei um amigo da minha irma que vinha de ferias a espanha e redondezas. Ele me indicou a Atocha 49, uma casa ocupa/associassao/bar anarca. Eles negam sistematicamente a qualquer pessoa a estadia na casa. Dizem que ja ha gente de mais. ou melhor, eu descobri depois que havia um mundo de gente morando la, por que eles negam sistematicamente que a casa seja habitada. Tive dificuldade para deixar minhas coisas la e dificuldade para tirar minhas coisas de la. A Unica coisa realmente interessante que condiz com a minha filosofia eh que todos os produtos sao vendidos a preços voluntarios. Mas basta de Madrid.

Encontrei as Polacas e fiz parte da viajem para fora de Madrid com elas. Apesar de hoje ter memorias boas, a partida de Madrid foi a primeira partida alegre da minha viagem.

Demoramos ao todo umas 24 horas para chegar a Lisboa, onde nos encontramos, veja bem: POR ACASO, no Bairro Alto, que para mim continua a ser a melhor noite do mundo, mesmo com toda a pressao para adiantarem o horario de fecho dos bares e discotecas.

Parti para trabalhar no Douro junto com dois amigos, parti abruptamente para o Porto, o que foi uma continuaçao muito interessante para minha viagem e prova cabal da minha possibilidade de subsistencia completa baseada apenas no acordeon. La eu conheci Hannes, com quem tive uma experiencia profunda de experimentacao musical. Fomos juntos para um festival ao qual ele tinha sido convidade por uma amiga de Leiria que ele conhecera no Boom Festival, o maior festival de trance da europa. Bom... O festival Artes da Lua de Outono nao chegava nem perto. Chegar perto do maior festival de trance da europa eh dificil mesmo. Mas... digamos que "nem perto" seja pouco. Eh que o festival nao chegou nem perto de ser um festival. Houve quem dissesse que era exatamente essa a ideia, que nao era um festival, e sim um encontro. Falaram alguma coisa de artes de rua, mas nao estava bem certo posto que apesar dos poucos malabaristas e musicos presentes (poucos mais ou menos... haviam poucoas pessoas simpleslente) a maior força do festival era mesmo a animaçao infantil. Houve palestras sobre educaçao, gestaçao, maternidade, saude e alimentaçao, mas a parte artista estava severamente prejudicada. Um grupo de pessoas estava la para a musica e para a festa, e esse grupo de pessoas se reuniu na estranheza daquele ambiente hiper saudavel, hippie mamae, digamos assim, e se divertiu como pode, e tudo ia bem, ate melhorando a medida que a noite caia. Tinha ate um grupo de DJs, que provava cabalmente que de musica os organizadores nao entendiam nada (basta dizer que eles se auto intitulavam Reagge Philosofy and friends, sendo que o tal "friends" era um universitario famoso por se meter em todas as festas completamente bebado e fazer qualquaer merda para aparecer - no caso, cantar, ou melhor, grunir ao acompanhamento de um Dub fanhoso). Houve todas as noites concertos de algum valor, inclusive um folk com acordeon diatonico e talz, mas tudo muito sofrego.

Dizia eu que um grupo de pessoas esperava algo mais... mais musica, mais festa, mais gente. Esse grupo foi levando a coisa a frente noite a dentro e eu cheguei ate a pensar que fazia sentido o festival começar a esquentar a partir da meia noite, posto que ele se chamasse Festival da LUA!

Mas nao... Festa em um ambiente de animaçao infantil nao pode. Amanha tem todos que estar de pe as 9:30 para receber a meia duzia de gatos pingados que vem assistir à palestra sobre as barrages e o mal para o meio ambiente (meia duzia? nessa palestra estavam apenas 3 pessoas) e portanto todos os participantes tem que ENCERRAR A FESTA E IR DORMIR TAMBEM!!!

Isso foi as 1:30 da manha. Tao desesperada estava uma das organizadoras principais, que ME encarregou de vigia noturno, em troca do pequeno almoço. A partir dai eu virei quebra galhos do evento, levanto cadeira de ca pra la, colchao de la pra ca, e vendo de dentro como tudo aquilo era uma coisa de loucos. Vi que tudo tinha sido organizado em 3 semanas e que uma das pessoas que chegou para ajudar virou um dos idealizadores da coisa toda... Mais ou menos a mesma proporçao de mim mesmo, que vim para assitir e virei ajudante.

Mas ainda nao falei da coisa principal, e talvez seja melhor nem falar. A Augmented Tree...

Bem... A Aug Tree eh uma arvore com tres bolas penduradas que fazem sons e brilham quando sao manipulados. Esses sons mudam de acordo com a hora do dia (ou de acordo com a vontade dos programadores, que acamparam em baixo do palco durante todo o festival).

Eu encontrei a lucy in a sky with diamants e, junto com Hannes, exploramos o lado mais bizarro que um festival em si bizarro, tem a oferecer: quando tudo estava montado, as tendas geodesicas, a aparelhagem de som, o palco, ate mesmo as pessoas prontas para festejar, tudo nos trinques para uma noite de dança e musica... silencio. Um festival Fantasma. Nao era a Lucy que me dizia isso. Qualquer pessoa que chegasse naquele parque naquele momento ia ver o grande vazio que la havia.

Um grupo de bebados em speed, revoltados com o final abrupto do segundo dia de festival destruiram a Aug Tree, mas ela era feita para ser destruida: uma camada de 10 centimetros de silicone protegia o nucleo de cada esfera, onde havia um pequeno nuntchako de Wii a enviar as informacoes por bluetooth para o computador instalado sob o palco. Vale dizer que a Lucy esteve com os criadores dessa maravilha no dia anterior e eu posso dizer com certeza que o que eles fizeram foi fruto de uma inspiraçao... sera que posso dizer assim, Lucyferiana?

O que eles criaram foi um som novo, inedito, que se comportava de uma maneira absolutamente imprevisivel. Uma obra que eu, Hannes e Lucy passamos a noite a desvendar, com a arvore completamente desestabilizada, mas ainda em pleno funcionamento. Na verdade, o estado das tres bolas combinavam bem com o que cada uma tinha sofrido... apenas vendo seria possivel perceber como a bola verde que fazia um som lastimoso, pendia segura precariamente pelos seus elasticos fragilizados pelo exesso de preçao exercido sobre eles... e a bola vermelha, que fazia um som de bumbo, convenientemente posicionada a altura da cabeça, perto do proprio tronco da arvore, como um pobre coitado cuja face tenha sido esmurrada contra a arvore varias vezes. "Tum Tum Tum"

E por fim, a obra prima... a caixinha de desenho animado... Cada toque era um som, completamente inusitado... balança-la ia alem da criatividade humana de produzir sons... Era ridiculamente divertido. A força da aleatoriedade sobre a mente aberta... pode ser isso... ou pode ser apenas a mente aberta. O que acontece eh que durante toda a noite eu e Hannes filosofamos a respeito disso, e sobre a percepçao e sobre a musica e o ruido. Eu tinha meu acordeon, Hannes tinha sua bola de contato (para quem nao sabe, eh apenas uma bola com a qual se faz um dos malabarismos mais versateis e belos do mundo).

Havia ao nosso redor muitas coisas dqs quais eu me lembro com hilariedade e ate mesmo um certo cinismo, como uma satira do mundo, mas que nao vale a pena mensionar agora, posto que depois de coimbra eu parti com Hannes para Lisboa.

Passei pouco menos de uma semana e fui para Madrid... passei dois dias...
Paguei minha estadia, minha comida e minha passagem para Barcelona com o Acordeon.

Barcelona!!! Cidade dos musicos de rua, eh o que dizem, ora pois em Madrid ha mais musicos de rua. Cidade da arquitetura, tambem o dizem. Ora pois a arquitetura de Gaudi eh "uma boa maneira de fazer uma pequena fortuna a partir de uma grande fortuna", como me disse uma amiga arquiteta de barcelona. Absolutamente linda mas inviavel. De resto, as Ramblas, o Bairro Gotico, os Parques... Juro... por deus que isso pode parecer uma tremenda heresia mas eu digo por que eh verdade (em comparaçao com o que se diz): Nada de especial.

Nao que eu nao tenha amado Barcelona, mas o que ela tem de mais imprecionante eh o marketing turistico. Eu amei outros lugares muito menos famosos e pessoalmente, nao posso dizer se um lugar eh mais ou menos digno de ser considerado um lugar FANTAAAAAASTICO, mas posso garantir que se ha uma cidade no mundo que possa ser considerada universalmente como a cidade mais incrivel do mundo, ela nao eh Barcelona.

Fiquei hospedado na casa da Nuria, minha primeira amiga acordeonista, que conheço desde Fevereiro, de Lisboa, quando ela estava fazendo Erasmus (intercambio) por la. Encontrei um amigo do Pedro Segundo, com quem tive conversas geniais, com quem fiz musica, e com quem nao passei um unico segundo desagradavel. Alias, uma pessoa que me surpreendeu muito por se ter cruzado comigo tantas vezes sem que eu percebesse como era rico espiritualmente.

Da-lhe Julio... Ate algum dia, quando voltares ao Rio... te espero com um forte abraço.

Nuria foi especialmente carinhosa, mas a trabalhar e estudar, tinha dificuldades de horarios, e eu passei a maior parte do tempo sozinho ou com pessoas desconhecidas, nomeadamente Marie e Camile, duas francesas de toulouse que conhecemos (estava com Nuria e Marilhona, amiga da Nuria que eu tambem conheci em portugal, na mesma ocasiao... flautista) no Parque Guel.

Essas duas acordeonistas estavam passando ferias em Barcelona e gravaram um video meu que logo chegara ao Tu Tubo, em que elas tb aparecem um pouco. Passamos duas noites agradaveis e partimos juntos, no dia do meu aniversario e de dois shows da Fanfarra Paradiso, no Cine Odeon e no Circo Voador(!!!) para Toulouse, de onde escrevo agora, as vesperas de partir para Paris.

Penso que devo resumir rapidamente a minha estadia no sul da França, ja que esse post ja esta grande demais. Simples: Uma Jam Session de musica tradicional Francesa: 6 ou 7 acordeons, 3 cromaticos, os outros diqtonicos; Uma flauta de madeira; Uma pandeireta; Um contrabaixo; Trompete; Clarinete; e teve ate um cara que trouxe parte da bateria de casa. enfim... Uma festa que nem cabia no bar.

Enfim, eu amo Toulouse.