Por que não?

Parabéns àqueles que se dão ao trabalho de abaixar para ver o que está escrito num papel do chão. Parabéns àqueles que encontram mensagens em garrafas. Parabens àqueles que escutam palavras jogadas ao vento. Esta é a minha homenagem.

Monday, August 17, 2009

Carta a M. Lannes de ponteiroapontado.blogspot.com

Estou muito lisonjeado com certas coisas que me escreveste. A vida de fato é como um filme, ou como um conto, ou como qualquer outra coisa que seja narrada. As coisas acontecem sem que tenhamos controle sobre ela e há muito tempo eu percebi que a beleza de tudo isso era exatamente o filme, livro ou o que quer que seja que representaria a nossa existência. Só que essa visão vai de encontro com muitas outras possibilidades de visões que muitas outras pessoas têm como ideais, desde as possibilidades religiosas até as materialistas.

Quando fomos crianças vivemos as coisas que nos definem hoje como somos. O legal é pensar que fomos crianças juntos. Juntos mas separados por nossas vidas sem ser um com o outro. Isto é, quase sempre que estávamos juntos, estávamos juntos e apenas juntos. Quando íamos brincar com outras crianças, ou eram amigos seus ou amigos meus e essa divisão nunca foi suplantadaa a ponto de algum deles se tornar um verdadeiro amigo em comum ao longo do tempo. A maior parte dele, entretanto, estávamos a sós (sem contar nossos irmãos pentelhando de vez em quando).

Essa infância compartilhada criou um vínculo invisível de compreensão mútua. O que, em confissão revelas, te motivou a escrever é EXATAMENTE a mesma coisa que me incentiva agora a te escrever esta carta. Não pode ser classificado como uma troca, ou uma influência, mas a mesma coisa sem duplicata, que funciona ao mesmo tempo para mim e para você. Uma espécie de inconsciente partilhado que é basicamente essa visão da vida, de que o que é belo é o que merece ser narrado. Algo que eu acho que faz parte da nossa infância compartilhada, e está presente desde a filosofia da unipresensa.

A metáfora com a rastejancia do eu-achismo com o vôo temerário da soberba faz sentido sim dentro da idéia de que nem um nem o outro é bom. O primeiro porque não chega sequer a ser um vôo. É uma regurgitação psicológica em forma de palavras e não a verdadeira arte de escrever. Parnasianismo auto-masturbatório. Já a soberba é um equivoco. Nenhum grande artista é tão bom quanto poderia ser se trabalhasse mais.
Posso demonstrar esses erros na prática com dois textos hipotéticos:


Poesia sobre o Nada

...?

Augusto Magno


Está vendo? Isso é tentar voar alto demais.







A coisa mais importante do mundo é não estar preocupado com o que as pessoas acham do que você escreve. Se eu escrevesse o que me fosse pedido para escrever nunca escreveria nada. Já reparou que sempre que as pessoas escrevem no gênero do eu achismo, falam na primeira pessoa, em prosa, como se estivessem falando com uma certa pessoa em particular, sem nunca definir essa pessoa?


Está vendo? Isso é rastejancia.

O que eu queria discutir contigo, de relevância extrema, é precisamente a respeito desse meio termo entre a arte e a enchessão de lingüiça.
Também pensei em falar de outros assuntos, mas todos eles me pareceram enchessão de lingüiça, seja por ser ridiculamente audacioso ou um eu-achismo barato, prepotente.

Pode parecer estranho que eu esteja estabelecendo como que um tema para a correspondencia com base em coisas que foram escritas e criadas nas cartas anteriores, e apesar disso, eu esteja sustentando que desde o inicio, o que eu queria (no pretérito) falar contigo era a respeito DESTE assunto de “relevância extrema” (tenho a convicção de que, você não só escreveu a sua carta inteira em uma tacada e a enviou imediatamente, sem uma interrupção do processo, como sabe que eu próprio fui impulsivo com as minhas palavras e que as criei tanto em forma como em conteúdo, à medida que as fui escrevendo). Mas não é estranho de todo. Faz parte daquela conexão infantil que descrevi no inicio desta carta. Eu já sabia, sem saber, quais coisas me perturbavam a respeito da arte de escrever, e eram as mesmas que as suas.

Rumamos sem rumo, mas determinados. E é pelo fato de a nossa vida estar em jogo, ou melhor, as narrativas das nossas vidas, que é um assunto de extrema importância. Bizarro como é difícil definir uma coisa que é tão presente para ambos. Bizarro que o que se tenta alcançar com a arte de escrever é a comunicação de algo que todos (ou pelos menos aqueles a quem as palavras são destinadas) já sabem, mas não conseguem ver. Sabe?

Paralelamente a isso, existem outras questões que me intrigam, de caráter mais prático: não entendi o seu critério para palavras belas. Aqui vão algumas das quais eu mais gosto.

Bruma,
Sapiência,
Saudoso,
Frangalhos,
Úmido,
Otomano,
Àquele (com crase),
Bálsamo,
Qualquer verbo no pretérito-mais-que-perfeito,
Ungüento,
Revelia,
Antanho,
Supra,
Sumo,
Léu,
Fel,

De repente meu léxico de palavras bonitas encerrou. À medida que eu fui acrescentando palavras, elas iam se tornando mais difíceis de serem colhidas. A partir de “fel”, nenhuma outra surgiu na minha mente que merecesse ser acrescentada, apesar de várias estarem na ponta da língua. Cheguei à conclusão de que quanto mais uma palavra é difícil de ser encontrada no vocabulário de uma pessoa, mais bonita ou mais feia será esta palavra.

Mais feia também, sim, pois existem palavras que não são nem feias nem bonitas. As que são ou um ou outro, obedecem à mesma regra. Para demonstrar, vou listar as palavras feias, e da mesma forma, em algum momento, cessará a minha criatividade para palavras feias, e quanto mais difícil for de pensar na palavra, mais feia ela será!

Ornitorrinco
Enciclopédico
Vicissitude
Traquinagem
Sapateado
Tracção
Usurário
Moratória
Laboratório
Caçamba
Farfalhando
Intumescência
Outras

...

Viu?

Bom... claro que não viu. Tente a experiência você mesmo. Gostaria de saber que tipo de palavras entraria na sua lista, e quantas!

Com a maior das cortesias possível,
F. Negreiros – Supercarneiro.blogspot.com

2 Comments:

Blogger MLF said...

Respondido.
ponteiroapontado.blogspot.com
Abs !!

9:14 PM  
Blogger MLF said...

Existe descortes certamente. Mas acho uma palavra absolutamente imprópria. Pra ser sincero, nunca a vi sendo usada. E não acredito na coexistência da ignorância e da cordialidade de forma simultânea. A cordialidade está um passo acima da ignorância. E meu problema é exatamente esse buraco que fica entre as duas possibilidades de relacionamento, falta alguma coisa. Talvez tenha de fato me expressado mal. O que me incomoda primordialmente é a artificialidade da cortesia e não essas questões menos importantes como falta de antônimo. Isso foi apenas exemplo.

12:57 PM  

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